sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sobre a campanha salarial dos rodoviários de Fortaleza


Ao dia 2 de agosto do ano de 2011 entram em acordo a diretoria do SINTRO, representantes da justiça do trabalho e o SINDIONIBUS em razão de um aumento salarial de 8%, com aumentos diferenciados para o vale-refeição (R$0,50) e vale-alimentação (R$5,00).
A campanha salarial da categoria representada pelo SINTRO estendia-se desde março do corrente ano até o presente mês. Pediu-se inicialmente um aumento no salário equivalente a 25% do mesmo. Os representantes da patronal passaram por oito rodadas de negociação sustentando que não negociava nenhum valor acima de 6,3%. Na oitava rodada de negociações, ocorrida no fim de julho, os representantes dos patrões colocam a seguinte exigência: para que haja conversa o SINTRO precisa apresentar uma reivindicação abaixo de dois dígitos (menos de 10% de aumento). Após reunião da diretoria o SINTRO entra em contato com a mediadora da Justiça do Trabalho e comunica que, para não haver greve, estaria disposto a rebaixar a reivindicação do aumento salarial para 9,9%. A atitude do SINDIONIBUS, após o rebaixamento oferecido pelo sindicato dos trabalhadores, foi: ignorar qualquer negociação com o sindicato dos trabalhadores rodoviários e entrar na justiça com o pedido do dissídio coletivo da categoria a partir do valor que eles queriam.
Chamada pela sua diretoria a categoria decidiu a data de sua greve em assembléia. Nas assembléias, onde ocorriam monólogos da diretoria e apoiadores políticos da greve com votações ao seu final, os trabalhadores que estiveram presentes aprovaram a greve euforicamente, com apenas um voto contrário. Decidida a greve o sindicato dos trabalhadores se despede de sua base nos seguintes termos: vão e façam sua greve que nós faremos a nossa parte. Mais que isso só seria dito mais tarde, em uma reunião do “comando de greve”, a ser realizada na sede estadual da Conlutas. Essa reunião que não foi comunicada sequer à categoria em sua assembléia, contou apenas com representações sindicais todas ligadas de alguma forma com a própria Conlutas. Antes da reunião, no entanto, a imprensa dos grandes empresários teve a chance de ouvir um último comunicado sobre os motivos da greve – que, segundo os representantes da categoria, era fruto apenas da intransigência do SINDIONIBUS nas negociações.
Na manhã do anunciado primeiro dia de greve o SINDIONIBUS convoca uma reunião onde foi fechado o acordo no percentual de 8%. À tarde ocorria uma nova assembléia, com menos da metade de trabalhadores presentes àquela que decretou a greve, e cuja votação exprimiu a indisposição de boa parte da categoria em votar a proposta apresentada. A outra assembléia que deveria “comunicar” à categoria os termos do acordo já firmado, marcada para a manhã do dia 3, sequer ocorreu.
O significado político deste acordo
Não é preciso ser um mestre em matemática para ver que o signo econômico do desfecho da campanha foi um fiasco. Segundo Dimas Barreira, presidente do SINDIONIBUS, “cada um cedeu um pouco” – o pouco deles foi de 2% e o dos trabalhadores foi de 17%! Segundo Valdir Pereira, assessor político do SINTRO, a luta dos rodoviários tem o objetivo de atingir quatro salários como piso – ganhando os motoristas o equivalente a pouco mais que dois salários, o aumento de noventa reais (R$90) não aponta para a concretização desta meta em menos que 10 anos, admitindo-se que haja ganho real todo ano.
Se o significado político não é o mesmo do econômico, também não podemos cair na estupidez de dissociá-los. Como pode um trabalhador sobreviver com dignidade sendo o aumento de seu salário em 8% se apenas no mês de março de 2010 só o feijão subiu 8,46%[1]? A inflação geral calculada pelos economistas dos grandes empresários e do governo aumenta a cada ano, mas está longe de calcular a real situação dos trabalhadores. Se a vida do trabalhador não melhora a partir dos acordos que sua categoria faz com a patronal, como poderão nos dizer que daí se encontra uma vitória? Os atuais diretores do SINTRO, por bem intencionados que estejam, confundem sua lógica sindical com os reais interesses da categoria ao ir a público dizer que a campanha foi vitoriosa. Infelizmente o dito “aumento real” de 1,9% só pode significar uma vitória para a diretoria do sindicato, não para sua base.
É preciso lembrar que a atual diretoria do SINTRO, fruto de um ascenso ocorrido em 2008 – onde trocadores e motoristas fecharam por dias a circulação em todos os terminais da capital e algumas linhas da região metropolitana – goza de alguma confiança da categoria, pois retomar seu sindicato foi a principal vitória daquele levante e a atual diretoria é a expressão dessa vitória. No entanto, depois das duas campanhas salariais – uma “greve legal”, ou seja, uma greve de mentira e um acordo rebaixado – não é de admirar que já não houvesse ninguém disposto a aparecer na assembléia da quarta-feira pela manhã. Aos saltos a categoria vai perdendo a confiança em seus novos líderes que parecem não ser capazes de garantir uma greve de verdade. Os rodoviários, no entanto, nos dizem freqüentemente entre uma ou outra viagem durante o dia como deve ser e que ainda é preciso ser feita outra experiência aos moldes do que ocorreu em 2008. Os anseios da categoria apontam para um enfrentamento direto contra o SINDIONIBUS, pela criação de uma empresa pública de transporte coletivo, seguindo o exemplo da extinta CTC. Se a mudança política na direção do sindicato não é forte o suficiente para que eles caminhem em direção aos seus objetivos, a categoria passará por cima de seu sindicato. Afinal de contas, essa mesma categoria derrotou uma quadrilha que havia se apoderado de seu sindicato há dez anos, quando se perceber sem opção novamente, irá levantar-se contra seus reais inimigos com ou sem o consentimento de seu sindicato.
Há muita dúvida entre aqueles que organizariam a greve sobre os rumos que ela tomaria, mas uma coisa era repetida em uníssono por toda a categoria: se for parar tem que ser tudo. Só de observar o que era dito percebemos que há disposição de parar, de lutar e de vencer. No entanto, com essas palavras nenhum rodoviário estava sendo leviano e dizendo que uma ação deste tipo poderia ser feita de qualquer forma. Nos momentos decisivos para a categoria em decidir se ia ou não à greve, reinou a atmosfera expectante e por vezes eufórica de que juntos eles conseguiriam o que quisessem. De qualquer modo, era muito improvável que as esperanças da categoria se concretizassem, uma vez que na primeira e última reunião do chamado “comando de greve” só se tinha certeza de encontrar-se no sindicato às 6 horas da manhã, e sendo avivada sempre a ressalva que íamos a uma greve só por causa da negociação com o SINDIONIBUS – e a categoria não deixou passar esses detalhes ao pesar suas ações. A questão de fundo é que devido aos resultados da última campanha salarial, onde a categoria sofreu duros golpes, alguns dizem não saber se realmente haveria adesão da base a uma greve por conta dos danos que as últimas batalhas lhes causaram – demissões em massa que trouxeram ao campo de batalha uma camada muito jovem e inexperiente de trabalhadores, reforço das medidas repressivas tomadas dentro e fora das empresas, a sabotagem feita pelas empresas ao processo de eleição das CIPAS, o resultado do dissídio coletivo que a justiça só deu no fim do ano... Diante desses ataques que não foram combatidos à altura a partir do sindicato, é natural que o ânimo da categoria tenha recebido um golpe e que a relação entre a base e o SINTRO tenha ficado no mínimo mais sóbria. Seria o caso dos trabalhadores não estarem dispostos a lutar? Os testemunhos dos próprios trabalhadores não nos deixam concluir desta forma.
O que fica de mais marcante na campanha salarial 2011 dos rodoviários é o amadurecimento da experiência da categoria com seus novos dirigentes políticos. Aprende-se sobre as qualidades e os defeitos daqueles que deveriam ser seus principais aliados. Tanto sobre a preocupação em não dar brechas legais para que se desmonte o movimento desde seu início, quanto sobre a indefinição e o vacilar de figuras importantes no seio do movimento. Se as assembléias não servem para organizar ações dos trabalhadores, pelo menos servem para que eles reconheçam aqueles que estão dispostos à luta e aqueles que usam da mais proeminente enrolética para falar por vinte minutos e pouco (ou nada) dizer sobre como proceder – para a categoria aprender em quem pode confiar. Junto às limitações desses espaços note-se ainda que o desfecho da campanha se deu contrariando uma decisão da categoria – primeiro anula-se a greve votada em assembléia, depois se consulta novamente a categoria. E o mais sintomático: no dia da greve, trabalhadores ainda foram e boa parte sequer tomou parte na nova decisão e no dia seguinte simplesmente não foram.
O SINTRO hoje tem menos chances de defesa contra os patrões que ontem. Sua vida política depende exclusivamente da relação que nutre com o conjunto da categoria – e esta relação fica cada dia mais instável com resultados medíocres. Por mais que se consigam alguns aliados temporários na Justiça do Trabalho ou em partidos políticos a única aliança que os rodoviários podem fazer para não ter seu movimento decapitado é com o conjunto dos trabalhadores de Fortaleza e população pobre que depende do transporte coletivo. Se os atuais dirigentes da categoria não avançarem em ganhar a população e sua base para as reivindicações corretas, rumo à estatização do sistema de transporte coletivo e o fim do monopólio do SINDIONIBUS, suas cabeças acabarão rolando, de um jeito ou de outro.
Outra questão que demonstra o signo político do recuo da direção desta categoria é sua relação com o conjunto da luta dos trabalhadores de Fortaleza. O número de greves deste ano em nossa cidade avança como um rastilho de pólvora. Muitas categorias dos serviços municipais e estaduais (notadamente a educação) têm exposto suas faixas indicando a paralisação de suas atividades. Categorias que têm o mínimo de liberdade sindical, o que não é regra atualmente, todas estão levantando suas vozes contra seus patrões – que lucram horrores enquanto o supermercado dos trabalhadores cada vez menos cabe em seu bolso.
No entanto, o que parece estranho aos ativistas do movimento é o fato de setores sindicalmente ligados à Conlutas estarem à iminência de uma greve fomentada há meses (dos professores estaduais) e os rodoviários darem um passo atrás da forma que foi dado, enfraquecendo o conjunto do movimento. No caso de uma greve no transporte coletivo deveria se pensar, no mínimo, em um comando de greve de todas as categorias em greve da cidade e tentar expandir o máximo possível o movimento para satisfazer o máximo de reivindicações, mas este tipo de orientação sempre esteve ausente do repertório político daqueles que dirigem o SINTRO.
O desgaste daqueles que decidem se há greve ou não é sentido, sobretudo, pelo conjunto dos trabalhadores de Fortaleza. Para que uma mobilização desse tipo não seja afogada em sangue é necessário que de fato a maioria da população entenda e apóie as reivindicações da categoria – mas, com a falta de uma comunicação extensiva e clara do SINTRO, não nos é permitido saber sequer se há interesse da categoria em uma greve. A população temer o início de uma greve demonstra perfeitamente como esta não foi preparada devidamente – uma coisa é apoiarem ou não, outra é sequer ter informações sobre a existência dela. Resta àqueles que têm alguma simpatia pelas reivindicações da categoria reproduzir sua fé do jeito que as igrejas os ensinam. Dizem que a fé move montanhas, mas nunca foi registrada nenhuma greve vitoriosa fruto apenas da fé.
Continuando as coisas como estão, não restam mais opções ao conjunto dos trabalhadores a não ser continuar ouvindo que o SINDIONIBUS está fazendo todo o possível para melhorar a qualidade do serviço por eles prestado. Ganham os patrões e a prefeitura, que transforma o episódio em palanque prometendo não aumentar a passagem até o fim de seu mandato. Os trabalhadores, rodoviários ou não, continuam no escuro, isolados e amordaçados.
A farpa
05.08.2011

[1] Números da Fundação Getúlio Vargas.

Um comentário: